Reproduzimos de seguida a declaração que o Professor Boaventura tornou pública após ter apresentado a sua demissão ao Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Desde o início de toda esta situação, a direção do CES tinha em mente o objetivo final: Boaventura de Sousa Santos é o responsável pelo que aconteceu.
Hoje dei o passo mais complicado de toda a minha carreira. Mas dou-o com firmeza e com a convicção de que é o mais correto. Hoje apresento a minha demissão de Associado e Diretor Emérito do Centro de Estudos Sociais, que fundei. Longe de ser uma derrota, vejo-a como uma libertação, porque as más artes da direção podem ter um efeito irreparável.
Como bem sabem, desde há 18 meses que sou objeto de um duro processo de acusações infundadas contra o meu bom trabalho profissional. Desde o início deste processo flagrante contra mim, tornou-se cada vez mais claro que foi orquestrado pela direção do CES e que o seu único objetivo é político. Desde a direção do CES, houve uma clara predeterminação de todas as acções destinadas a exonerar qualquer má prática do centro e a fazer recair a responsabilidade sobre o fundador, ou seja, sobre mim.
Desde o primeiro minuto, concentrei todos os meus esforços em tentar colaborar com os processos de esclarecimento, não me escondi, tentei evitar os circos mediáticos e fazer deste um processo justo para todas as partes. Para isso é fundamental saber de que sou acusado, razão pela qual solicitei o acesso à documentação pertinente para poder exercer a minha devida defesa, por todos os meios possíveis. Não só a direção do CES mentiu sobre a minha posição, como me negou repetidamente o acesso a qualquer documentação que me permitisse compreender, de uma vez por todas, o que é que me é imputado e do que é que tenho de me defender. Nos últimos dias, recebi mesmo ameaças que são inaceitáveis e que conduziram a este desfecho. É isto que queremos? É esta a melhor forma de esclarecer os acontecimentos que nos afectam coletivamente, enquanto sociedade?
O que deveria ser um processo justo, em que uma pessoa sujeita a acusações recebe informações concretas que pode verificar, transformou-se num processo inquisitorial.
Quando a Comissão de Inquérito emitiu o seu parecer em que não se determinava qualquer responsabilidade direta sobre a minha pessoa, de forma arbitrária e sem esperar por qualquer outro acontecimento, a direção do CES iniciou uma perseguição através de uma mais do que duvidosa iniciativa privada de investigação confiada a advogados, sem quaisquer garantias, sem permitir o acesso às provas ou aos dados existentes e aplicando técnicas contrárias ao Estado de Direito e típicas do direito penal do inimigo, e cujo alvo último e principal era e sou eu. Desta forma, evitariam qualquer responsabilidade que lhes pudesse corresponder em resultado das queixas apresentadas. Recorde-se que o relatório da Comissão Independente dizia também que as versões apresentadas por vários queixosos e por vários arguidos eram muitas vezes incompatíveis entre si, o que tornava impraticável a apreciação da evidência das provas. Então, o que é que eles estão a tentar esconder?
Além disso, o inquérito sobrepôs-se de forma parcial, interesseira e arbitrária aos inquéritos penais e civis instaurados, sem me dar a possibilidade de uma defesa mínima. Esta situação pode conduzir a responsabilidades penais e civis evidentes por parte da direção do CES e dos próprios investigadores privados, que devem ser levados a tribunal imediatamente.
Tentei ser respeitoso e cooperante com todas as iniciativas que se desenvolveram no CES, mas é evidente que a caça contra mim assumiu dimensões insuportáveis e ilegais, pelo que não posso ir mais longe. Interferir no meio de um processo judicial aberto não passa de uma ilegalidade.
Cabe à justiça, ao Ministério Público e ao Tribunal Cível de Coimbra julgar os factos, garantindo a imparcialidade e sem a contaminação política provocada por disputas internas no CES. Continuarei a lutar pela verdade nestas instâncias.
Coimbra, 26 de novembro de 2024
Boaventura de Sousa Santos
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