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Como o #Metoo coloca-nos, a nós mulheres, em risco

  • Foto do escritor: Raquel Varela
    Raquel Varela
  • 21 de abr. de 2024
  • 4 min de leitura

Por estes dias mais um escândalo de alegado assédio sexual encheu páginas de jornais, em particular do Público, o que mais tem denunciado o caso, e que trata como acusação de "violação". No Facebook de Cristina Martins, e em dois artigos de jazistas Leonel Santos e Ricardo Fortunato - não conheço nenhum deles, nem dos envolvidos -, leio que o caso de "violação"  é um pianista que terá marcado um encontro com uma DJ nas redes sociais, onde marcaram sexo consentido, e ele terá tirado o preservativo. Este é o caso de "violação". Ele não era professor dela no Hot Club, nem ela aluna de música. Não se conheciam.


Confesso que sou uma conservadora. Nunca na vida "marquei" sexo, muito menos na redes sociais. Sempre achei que o sexo nasce de desejo depois de um jantar a ver a lua. O mais libertário que li sobre sexo foi escrito por Alexandra Kollontai, no calor da revolução russa, 1917, e por aí me fiquei em matéria de teoria do sexo.


Quem já foi vítima de uma tentativa de violação, sabe que chamar a um encontro combinado para sexo "violação", dá vómitos. A violação é um dos mais hediondos crimes que existem. Num ano, segundo a PJ, mais de 300 mulheres foram violadas. É ignóbil usar-se o nome deste crime para situações que nem crime são. Podia ser crime tirar o preservativo, parece-me no mínimo uma canalhice, séria, mas não é violação. Ponto.


O grave já vem de longe. Boaventura Sousa Santos - de quem discordei sempre teoricamente - foi queimado em praça pública, com longos abaixo-assinados e nunca foi acusado ou julgado, teve aliás que pedir para ser constituído arguido para se poder defender porque não havia queixa alguma nos tribunais contra si. Não invalidou que uma mulher que diz que ele a convidou para jantar e  para ir a casa dele, ela disse que não, ele insistiu, ela disse que não, e ele foi-se embora, isto foi tratado como tentativa de violação, chegando mesmo às televisões. Chegou também às redes sociais os emails dela para ele, que davam conta de uma troca amistosa dela sobre um jantar agradável e que lhe pedia dinheiro para financiar livros.


Porque tudo isto é gravíssimo? Porque Boaventura já foi retirado dos vários dos lugares que ocupava, de provas académicas, de júris, de comités científicos. O pianista acusado, sem a reforma de Boaventura, viu os seus contratos rasgados e quem sabe a carreira destruída. O Jornal Público perguntava mesmo neste caso, como noutros, porque os professores acusados ainda estariam a dar aulas?


Como!? Agora são os jornais que despedem trabalhadores? Não há um julgamento, provas, acusação e defesa? Estamos perante uma suspensão do Estado de Direito, promovida por quem acusa e pelos jornais.


Com o silêncio dos partidos e das instituições: onde está o MP, os sindicatos de justiça, a Ordem dos Advogados perante esta suspensão de direitos, liberdades e garantias dos acusados? Estão com medo e respondem à pressão das redes sociais e dos jornais em vez de assegurar a lei e a liberdade?


O delírio é total. Susana Peralta defendia, no mesmo jornal, que professores e alunos - adultos - deviam ser proibidos de ter relações nas Universidades e informar o Reitor. Alguém lhe terá dito que não faltam casamentos felizes entre ambos. E que - o mais importante -, depois do Pai e do Padre, não pode o Patrão, neste caso o Reitor, entrar na cama de dois adultos, porque a lei, felizmente não o permite. Só no mundo feudal e na ditadura fascista é que o Patrão decidia com quem as mulheres dormiam ou não.


A segunda razão porque tudo isto é gravíssimo: é que ao ler aqueles emails, sem indagarem a veracidade, se descredibiliza todas as mulheres. Porque o escândalo é feito em torno de um convite para jantar sem coação alguma, de um engate, ou de uma "marcação" para sexo. E os casos de violação - mais de 300 - são tratados com 3 linhas no Correio da Manhã.


Em breve, se continuarmos com estes escândalos, e calados com "medo" nenhuma mulher violada que apresente queixa vai ser levada a sério.  A velha história do lobo. O #Metoo, que dá corpo à luta pelas mulheres chegarem ao topo das empresas, depois da crise de 2008, quando as próprias empresas querem reduzir custos, põe-nos cada vez mais em perigo.


Todas as propostas para combater a violência sexual contra as mulheres passam por uma rede de bufaria puritana: caixas de denuncias, e em geral anónimas, claro, abaixo assinados que são autênticos pelourinhos, vigiar e punir. Um polícia e uma denuncia em cada mulher, enfim, é este o #Metoo, mas só quando envolve lugares apetecíveis na academia, nas empresas e na cultura. Se é uma enfermeira ou uma operária a vir para casa às 4 da manhã, barbaramente violada, o assunto nem chega aos jornais.


O assédio sexual existe. Ele existe com e sem caixas de denuncias porque os locais de trabalho estão infestados de relações sem cooperação e sobretudo sem emprego. A economia portuguesa - capitalismo dependente - não absorve os quadros académicos e culturais. Não há emprego. Há uma luta de todos contra todos pelos poucos lugares disponíveis e pelo escasso financiamento. A denuncia individual em vez da luta colectiva pelo pleno emprego tem sido o mote.


Não quero viver numa sociedade repressiva que pede um polícia atrás de cada mulher e uma denunciante para cada trabalhador.

Uma política de extrema-direita pede caixas de denuncias, polícias, repressão e pelourinhos. Uma política de esquerda pede educação, cooperação, e transformação das condições de trabalho e vida. Uma política de medo, de acusação, sem julgamento é de extrema direita, mesmo quando é feita para salvar mulheres e tem o apoio do #Metoo e muitas assinaturas.


Uma política de esquerda é uma política de criar condições para as pessoas serem livres nas relações. É preciso gestão democrática nos locais de trabalho com hierarquias eleitas, redução do horário de trabalho. Acabar com o topo das Empresas, ocupadas por mulheres ou homens, é o super poder que tem que ser posto em causa. É urgente acabar com o trabalho nocturno não essencial. Criar bairros seguros em vez de dormitórios, a duas horas do trabalho. E claro, bairros humanizados, com livrarias, um teatro e um café aberto para que todos possam dançar, tocar-se, ouvir jazz, e não terem que marcar sexo pelas redes sociais, que são o contrário da sociabilidade, creio sinceramente que ia ajudar relações mais iguais e livres.




 
 
 

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