Luis Nassif, Jornalista brasileiro.
Um dos maiores pensadores da atualidade pagou definitivamente pelos seus erros, vendo comprometidos 60 anos do melhor trabalho intelectual.
Um dos maiores pensadores da atualidade pagou definitivamente pelos seus erros, vendo comprometidos 60 anos do melhor trabalho intelectual.
Quando cheguei a São Paulo, durante a loucura do trânsito dos anos 70, encontrei uma espécie de lince, o justiceiro, aquele que, vendo-se o senhor da razão, não se importa com as consequências de seus atos sobre os criminosos. Se um pedestre atravessar um sinal vermelho, ele vai ultrapassá-lo. Qualquer erro, qualquer pecado, pena máxima.
Aliás, no outro dia houve o caso do motorista do aplicativo que atropelou um transeunte. Ela desceu do carro em pânico, até descobrir que a vítima era um ladrão que tinha acabado de roubar um celular. A partir daí, o motorista saiu vitorioso, comemorando a morte da vítima e ironizando a tragédia, fazendo L para os defensores dos direitos humanos. É o mesmo sentimento que assola os linchadores das redes sociais, promotores de cancelamentos.
Fui vítima do primeiro movimento de cancelamento logo após as eleições de 2010. Foi um ano terrível, com meia dúzia de escuteiros a enfrentar o exército profissional de José Serra. A EBC e a Secom atiraram nele pela frente e o esfaquearam por trás.
Eu estava indo para Atibaia, para uma palestra na ONG de um jogador de vôlei, quando me ligaram da redação, perguntando se poderiam publicar um comentário em uma das publicações, que mencionava a palavra "feminazi". Nunca tinha ouvido o termo. Achei que era apenas uma das muitas expressões que invadiram a nova linguagem das redes sociais. Autorizei a publicação. Logo comecei a ser atropelado pelos guardas. Como ele permitiu o uso desse termo? Não fazia sentido explicar que eu não fazia ideia do significado da palavra. "Todos" conheciam o termo, disseram-me.
Foi uma semana de brigas no Twitter e inúmeros cancelamentos de pessoas que, teoricamente, estavam no mesmo campo político. Ainda não havia comando de "bloqueio" para fazer uma pausa.
A líder do movimento continuou a ordenar vários cancelamentos, até ao dia em que mexeu com pessoas desequilibradas, de outro campo político, os verdadeiros inimigos, construções não retóricas para exercer a sua agressividade, e começou a sofrer ameaças físicas.
A virulência dos novos movimentos
Mesmo assim, entendi que era uma ação compreensível para todos os grupos que precisa ser afirmada nos primeiros movimentos do jogo político.
Lembrei-me do comportamento dos primeiros sindicalistas da CUT, dos discursos incendiários de Lula, até o momento em que entraram no jogo político, ganharam espaço e começaram a substituir virulência por ideias e negociação. Não é mais necessário ganhar espaço no grito.
O mesmo aconteceu com o movimento negro, com a LBGTI+, o MST e tantos outros que contribuíram para colorir o cenário político brasileiro, com uma vitalidade que havia desaparecido da política tradicional. Em outras palavras, a agressividade inicial é um sinal de empoderamento, de descoberta do próprio poder, de jogar fora séculos de submissão.
O fascínio pela agressividade continuou e nos ambientes mais inesperados. É um vício. Há algum tempo saí de um grupo que reunia advogadas, jornalistas e defensores dos direitos humanos, depois que uma advogada baiana de repente ameaçou me denunciar às feministas por não convidar advogadas para a TV GGN Justiça. São convidadas, mas não na mesma medida que os homens.
Uma conversa civilizada, um conselho, me alertaria para preservar o equilíbrio dos convidados. Mas ele queria um álibi, um motivo para se apresentar ao grupo. Apoderou-se da santa ira do pisador e começou a atropelar o macho branco.
É aqui que se entende a agressão deslocada. Na era atual, para se considerar incluído no grupo das feministas, ou para ser identificado como tal, a senha é a retórica de guerra contra o "homem branco", de preferência do mesmo campo político, mais suscetível a ser afetado.
É uma cerimônia curiosa, da mesma natureza de outros grupos, que usam senhas, saudações, gritos de guerra, tatuagens, colagens, ataques a torcedores adversários para estabelecer sua identidade.
Entre alguns grupos feministas, a senha é a palavra virulenta, quaisquer que sejam as circunstâncias. E, com todo o respeito, isso não é bom para a causa. Não há nada mais legitimador do que a reação indignada de uma mulher a abusos flagrantes; e nada mais comprometedor do que o exercício permanente da indignação ou, pior ainda, do linchamento.
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