top of page
Pablo Dávalos

A injusta vingança académica contra Boaventura de Sousa Santos












Pablo Dávalos, pesquisador acadêmico equatoriano, professor universitário e economista, com pós-graduação em Lovaina (Bélgica) e Grenoble (França). Foi assessor da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador e subsecretário do Ministério da Economia no governo de Alfredo Palacio (2005).


No início de 2023, foi publicado um texto como capítulo do livro Sexual Misconduct in Academia, Informing and Ethics of Care in the University, editado por Erin Pritchard e Delyth Edwards e publicado por uma editora acadêmica, cujo título traduzido para o espanhol seria: "As paredes falavam quando ninguém mais o faria. Notas Autoetnográficas sobre o Controle do Poder Sexual no Mundo Acadêmico de Vanguarda", das autoras Lieselotte Viaene, Catarina Laranjeiro e Miye Nadya Tom. O objetivo manifesto do mesmo é, como expressaram, "denunciar a forma como a academia (as universidades) encobre os escândalos dos seus "Professores Estrela" no seu comportamento para com jovens investigadores que, por sua vez, dependem da sua aprovação académica para poderem prosseguir as suas carreiras académicas e que, além disso, têm sido vítimas de assédio,  maus-tratos e danos psicológicos." Não por acaso, os três trabalhavam num centro de investigação, o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, Portugal.


O problema a este respeito é que, em resultado da publicação deste capítulo, foi desencadeado um "furacão" nos círculos universitários, nos movimentos feministas e nas redes académicas que provocou a suspensão da carreira académica do sociólogo e filósofo português Boaventura de Sousa Santos, diretor emérito do CES da Universidade de Coimbra em Portugal e que aparece envolvido e referenciado negativamente no artigo com a qualificação de "Professor Estrela".


No que diz respeito às drásticas consequências que Boaventura de Sousa Santos teve de assumir, impõe-se, por isso, examinar o rigor metodológico e teórico de um artigo classificado como artigo académico, por se tratar de um livro publicado por uma editora académica. Assim, diante dessa condição, supõe-se que os autores tenham realizado algumas práticas intrínsecas e necessárias no processo de pesquisa e análise, como a fundamentação dos conceitos e categorias utilizados para fundamentar as hipóteses por eles descritas no artigo. 


No entanto, se analisadas as características em que é formulado, observa-se que não se trata de um texto acadêmico ou de uma pesquisa ou reflexão teórica, uma vez que não atende aos requisitos de que esse tipo de texto seja exigido para ser considerado como tal. Pelo contrário, fundamenta os fundamentos dos fatos descritos no texto no uso indiscriminado e injustificado de categorias ou termos, como extrativismo intelectual e extrativismo sexual. Estes são usados como adjetivos para qualificar e denunciar alegadas condutas abusivas que ocorrem no centro académico de que Boaventura de Sousa é diretor emérito e que alegadamente são exercidas por ele e outros "Professores Estrela" em relação a jovens investigadores. Esse comportamento por parte dos autores mostra que, na prática, o texto é um pleito quase judicial e uma reportagem jornalística de denúncia, mas nunca um texto acadêmico.


De fato, embora adjetivos possam ser usados para descrever uma dada situação, isso não é apropriado no capítulo de um livro de reflexão teórica, porque isso diminui a base de tais termos usados para transformá-los em um mero argumento ideológico.


Da mesma forma, os autores reconhecem que não realizaram entrevistas com atores institucionais, mas investigaram seus comportamentos a partir de suas próprias perceções e experiências vividas no centro acadêmico. Portanto, utilizam sua experiência pessoal como única base para o que é descrito no artigo para realizar uma análise do comportamento que ocorre nos escalões superiores da pesquisa acadêmica, a fim de trazer à luz as relações de poder injustas que ocorrem nesses espaços. Equivocadamente, chamam a este exercício de análise "autoetnografia", que usam como método de investigação, embora na realidade o que fazem seja jornalismo testemunhal.


Utilização de termos não fundamentados


No capítulo do livro, os autores acusam o diretor do centro de assédio, violência e diferentes formas de uma prática que chamam de extrativismo. Especificamente, utilizam conceitos como "extrativismo intelectual" e "extrativismo sexual" para se referir aos abusos dos diretores de pesquisa do centro acadêmico, termos que devem ser examinados em profundidade, pois deles depende a força e a credibilidade do texto.

Pois bem, para os autores, o extrativismo intelectual é a prática abusiva levada a cabo pelos diretores de pesquisa, que explicam que utilizam o trabalho realizado por seus assistentes de pesquisa sem posteriormente reconhecer sua autoria intelectual no respetivo projeto de pesquisa.


No entanto, a falta de reconhecimento intelectual dos assistentes de pesquisa em projetos de pesquisa, comportamento que é descrito como uma queixa pelos autores, nada tem a ver com qualquer tipo de extrativismo intelectual. Corresponde apenas a uma recorrente dinâmica de precariedade ou superexploração acadêmica que tem sido normalizada no ambiente universitário mundial para produzir conhecimento e pesquisa nesta etapa do neoliberalismo acadêmico. A explicação a este respeito é que, para que as universidades obtenham renda para lançar pesquisas, elas precisam de "professores estrelados" que são obrigados a escrever e publicar o tempo todo em seu próprio nome, daí a necessidade de terem assistentes de pesquisa para ajudá-los a cumprir sua missão em um mercado altamente mercado.


Desta forma, o "Professor Estrela" (Boaventura de Sousa) a que os autores se referem não pode, em caso algum, ser um arquiteto do extrativismo intelectual. Embora seja verdade que essa prática existe, ela não é feita pelos diretores de pesquisa de nenhuma universidade do mundo, mas por grandes editoras e revistas científicas.


Da mesma forma, os autores incluem várias referências ao termo "extrativismo sexual" e em nenhum caso seu uso tem um fundamento, um endosso de reflexão analítica ou suporte bibliográfico. Como tal, o extrativismo sexual é considerado um crime inscrito nas práticas de exploração sexual e consiste no uso do corpo das mulheres (e dos homens) para gerar renda, geralmente para grupos mafiosos dedicados ao tráfico, abuso, prostituição e pornografia. Portanto, o apelo ao termo "extrativismo sexual" para se referir às práticas cometidas por um grupo de professores liderados por seu principal diretor no centro acadêmico implicaria que não só houve assédio por parte deles, mas que teriam cometido crimes de tráfico, prostituição, abuso e exploração sexual para gerar renda, fato que não aconteceu.


Portanto, pode-se facilmente observar que os autores utilizam essa categoria da mesma forma que utilizam a noção de "extrativismo intelectual", ou seja, como adjetivo qualificativo. Isso porque no texto eles não fazem nenhuma reflexão teórica ou de qualquer tipo sobre essas categorias.


Por todas essas razões, pode-se concluir que se trata de um texto que não atende ao rigor epistemológico exigido para um texto acadêmico: não apresenta um referencial teórico ou metodológico, confunde autoetnografia como método de pesquisa com testemunho, utiliza memória e subjetividade estrategicamente e expande detalhes que não contribuem para a reflexão ou denúncia acadêmica. Portanto, o capítulo funciona como uma denúncia decorrente da indignação dos autores com a situação de precariedade laboral e alegado assédio sexual e laboral sofrido, indo contra uma instituição académica específica e os seus diretores.


Algumas das questões que se colocam como resultado são: por que razão foi publicado este texto se, dadas as suas deficiências, não teria sido aceite noutros contextos? Por que gerou tanto escândalo? Porque provocou a suspensão da carreira académica do Professor Boaventura de Sousa Santos?


 

 

 

 


64 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page