História de uma difamação
As acusações contra o Professor Boaventura de Sousa Santos são bem conhecidas porque, desde a publicação de um capítulo de um livro em língua inglesa por três antigos investigadores do Centro de Estudos Sociais (CES), em março de 2023, têm sido amplamente reproduzidas na imprensa.
É curioso que, de imediato, apesar de o capítulo se referir a três pessoas, primeiro anónimas e depois identificadas, todos os títulos se centraram apenas no professor Boaventura.
Há alguns factos e episódios na evolução deste caso que não são tidos em conta pela imprensa e que são verdadeiros e devem ser conhecidos.
01
A auto-suspensão do CES
Logo que as acusações foram conhecidas, foi o Professor Boaventura quem decidiu retirar-se das suas funções no CES. A auto-suspensão foi uma forma de não interferir nas investigações, uma vez que a sua intenção sempre foi a de esclarecer os factos o mais rapidamente possível.
Foi o CES que, intencionalmente ou não, comunicou incorretamente, através de um comunicado em que afirmava ter suspendido o professor. Horas mais tarde, o Centro emitiu outro comunicado, explicando o erro e afirmando que a suspensão tinha sido iniciativa do professor. No entanto, este “erro” já tinha tido o seu efeito mediático e a retificação quase não foi captada pelos meios de comunicação social.
02
Comissão Independente
O Professor Boaventura foi o primeiro a pedir a constituição de uma Comissão Independente para o esclarecimento dos factos, o que solicitou por diversas vezes, pública e privadamente, à direção do CES. Foram necessários quatro meses para que a Comissão fosse nomeada (final de julho de 2023). O professor prestou o seu depoimento a 4 de dezembro de 2023.
03
Publicação do artigo “Uma reflexão autocrítica: um compromisso com o futuro”
Pouco tempo depois das acusações, o BSS publicou um artigo no qual esclarecia que respeitava os direitos sentimentos das mulheres, mas que não ia assumir qualquer infração, pois não a tinha cometido. Mesmo assim, continuou a ser alvo de uma presunção de culpa nos meios de comunicação social.
04
A editora Routledge retira o capitulo inicial
O capítulo inicial foi retirado pela editora Routledge por se encontrar na “difícil posição de defender acusações específicas contra indivíduos nomeados, mas não previamente identificados”. Esta retirada deve-se ao facto de outra das pessoas mencionadas no mesmo capítulo (María Paula Meneses) ter ameaçado com uma ação judicial. É falso que o Professor Boaventura tenha ameaçado a editora, onde publicou até agora cinco livros, com uma ação judicial. No entanto, mais uma vez, todos os títulos foram dirigidos a ele, continuando assim a destruição de mais de seis décadas de intensa dedicação à vida académica e à intervenção pública.
Após a publicação do capítulo difamatório, numerosas colegas feministas manifestaram-se a favor do artigo e, depois de o reverem, decidiram tomar posição a favor do professor.
05
Professor Boaventura perante a Comissão Independente
Apesar de a publicação da notícia da criação da Comissão Independente no final de julho de 2023, o Professor Boaventura só foi chamado a depor no dia 4 de dezembro de 2023. Num depoimento que durou três horas, o Professor apresentou mais de 600 páginas de documentos para fundamentar as suas alegações. Os principais argumentos e documentos apresentados podem ser consultados aqui.
Quando o relatório da Comissão Independente é publicado, em 13 de março de 2024, o Professor emite uma declaração na qual faz duas observações: que cooperou sempre com a Comissão, apesar de esta não ter seguido um procedimento transparente em relação a alegações específicas (nunca mencionadas pelos membros da Comissão durante o testemunho) e que em nenhum momento é pessoalmente mencionado neste relatório. Por conseguinte, não é correto atribuir-lhe quaisquer conclusões.
06
A sexta carta
Em 20 de março de 2023, 13 pessoas assinaram uma carta gravemente difamatória contra o professor.
O professor pediu imediatamente à direção do CES que lhe facultasse o acesso às acusações contra ele comissão independente feitas pelas 13 signatárias da carta. O anonimato e o sigilo dos testemunhos prestados à Comissão já não faziam sentido para as 13 signatárias da carta.
A direção recusou-se a fornecer os documentos. O professor recorreu ao tribunal para ter acesso aos documentos, a fim de se poder defender eficazmente. Esta ação judicial está pendente
Entretanto, a direção do CES decidiu abrir um processo de inquérito interno para avaliar as alegações feitas na carta. Em 29 de julho, o professor reuniu-se com os advogados do CES responsáveis pelo inquérito. O professor manifestou a sua disponibilidade para falar com os advogados, desde que as alegações feitas durante o processo de inquérito lhe fossem apresentadas por escrito. Surpreendentemente, os advogados recusaram-se a apresentar as queixas por escrito. Após 16 meses de difamação na imprensa e nas redes sociais, seria de esperar que o professor soubesse exatamente o que tinha sido dito para se poder defender eficazmente
Perante a recusa dos advogados, o professor recusou-se a prestar declarações e decidiu, como último recurso, recorrer à justiça para defender o seu bom nome. Tomou duas medidas: colocou-se à disposição do Ministério Público para ser investigado e intentou uma ação judicial contra os signatários da carta para defender o seu bom nome e a sua honra.
07
Recurso ao Ministério Público e ação civil de defesa da honra
Não tendo acesso oficial às acusações concretas que lhe são imputadas para se poder defender adequadamente, decidiu, em julho de 2024, colocar-se à disposição do Ministério Público. Até à data, o Ministério Público não informou o professor de que existe algo contra ele que mereça ser investigado.
Após mais de um ano de anulação pública, bem como de um cruel linchamento, o Professor Boaventura decidiu, como último recurso, levar o assunto a tribunal. Não com intenções espúrias, como lhe quiseram atribuir, mas como única forma de defender o seu bom nome. Recorde-se que em nenhum momento houve qualquer acusação formal contra ele, o que significa que nunca houve um processo de contraditório em que pudesse apresentar a sua defesa. A sua intenção é e será sempre a de que a realidade dos factos seja conhecida. Ver
Declarações de Boaventura
Dito isto, apresentam-se de seguida as declarações feitas pelo Professor na única entrevista que deu durante todo este tempo. São importantes pelo contexto que fornecem para este caso: